terça-feira, 14 de agosto de 2007

Para ler e refletir

Transcrevo, na íntegra, artigo do jornalista Paulo Leandro Leal, editor-chefe do jornal O Estado do Tapajós, de Santarém, sobre os perigos que rondam o movimento pela criação de novos Estados na Amazônia. Leitura obrigatória para os que pretendem ver um dia emancipadas as regiões sul e oeste do Pará:


"Novos estados, ousadia e os verdadeiros cães

* Paulo Leandro Leal

A discussão sobre a redivisão territorial do Pará ganhou novos contornos nas últimas semanas, com a mobilização da Associação Comercial do Pará (ACP) contra a criação dos novos estados e a pronta reação das associações comerciais mais importantes do interior do estado. Os ânimos se acirraram e, mais uma vez, ficou claro que o Pará já é um estado bastante fragmentado, longe de ser esse território uno, integrado e coeso como defendem os anti-separatistas. Ficou claro, também, que os inimigos da redivisão estão por toda a parte, inclusive nas próprias regiões que hoje sonham com a independência.


Longe de querer enganar o leitor, deixo claro que meu posicionamento não é imparcial nesta questão. Defendo, de forma intransigente até, a criação de novos estados no Pará e na Amazônia. Acredito, também, que já poderíamos ter conquistado a tão sonhada emancipação política, se fôssemos mais ousados. Quando se tem um sonho e se acredita nele, é preciso ousar, lutar cada batalha, a cada dia, para transformar este sonho em realidade.

A emancipação política e administrativa de regiões que sempre foram consideradas um anexo, uma colônia ou um fundo de quintal pela classe governante e empresarial do Pará, é um anseio legítimo do nosso povo. Anseio que deriva do abandono, do sofrimento, da dor sofrida durante anos e anos sem que os gritos tenham sido escutados na nossa Capital. Não escutam por estarem muito longe. Não escutam por estarem muito ocupados defendendo os seus próprios interesses, em detrimento dos interesses do Pará. Não escutam por serem insensíveis.

Não, não existe e nunca existiu uma estratégia da classe política destas regiões para criar novos estados e acomodar grupos políticos e econômicos regionais. No máximo, ecoam um sentimento da população destas regiões, um grito e um clamor por desenvolvimento, Justiça e dignidade. E que muitas vezes não passam disso, um eco na boca de políticos que se desfaz em discursos e mais discursos, sem ações concretas. Não, não se trata de um projeto das "elites" econômicas destas regiões, mas uma vontade popular que transborda nos corações aflitos, nas mentes já cansadas de um povo que insistiu, por muitos anos, em ser paraense.

O nosso governo estadual, liderado pela petista Ana Júlia, mandou dizer que tinha projetos para fazer com que este povo esquecido, abandonado, passasse a se ver como paraense. Não, governadora, são os que comandam este estado que nunca viram estes milhões de pessoas como paraenses. Sempre fomos vistos como números de eleitores em uma planilha eleitoral. Pior, não como eleitores que decidem, mas como um adendo, uma ajuda, um pouco de votos a mais nas urnas, alguém para ser ouvido, mas nunca atendido.

Chega de nos ouvir e pedir a nossa participação. Este povo clama pela solução de seus problemas há anos, décadas e séculos. Será que os mandatários ainda não sabem o que querem? Precisamos de ações, não de sessões em um divã para chorarmos nossas mágoas e contarmos nossos problemas. E as soluções não chegam, as ações não saem do papel. Discursos e mais discursos não se concretizam. O que fazer?, pergunta o João, a Maria, o José, e cada um mais dos moradores que tanto insistiram em ser paraenses.

Só há uma forma de garantir, ao menos, uma nova chance, um novo começo. Uma oportunidade de fazer diferente. Criar novos estados não é diminuir, regredir, mas multiplicar e distribuir. Multiplicar nossa representação política, os empregos, as escolas, os hospitais e as oportunidades de um futuro diferente da exclusão e pobreza. Dividir as riquezas, a renda, as responsabilidades e os resultados.

Basta de dizer que a redivisão vai acabar com o Pará. Ele já está acabado, pois assim deve ser considerado um estado que não consegue dar dignidade aos seus habitantes. Ele já está fragmentado, rompido, apartado. Durante tantos anos, a classe política se mostrou totalmente inepta e incompetente para administrar tamanho território. E não há o menor indício de que isso vá mudar agora. E nem depois. Pelo contrário, continuamos a ser colônia, para a exploração alheia. Sangue que alimenta o vampirismo daqueles que não querem, isso sim, perder seus privilégios.

Por fim, precisamos ousar. A ousadia é uma arma dos fortes. E precisamos ser fortes, inclusive, para enfrentar os covardes de nossas próprias regiões. Precisamos de coragem para enfrentar os adversários conhecidos, mas também os verdadeiros cães que latem a f avor dos novos estados, mas mordem, na calada da noite, traiçoeiramente, os que defendem este projeto. E o fazem em nome de projetinhos pessoais ou do próprio orgulho, ferido diante da ação de novos líderes que começam a demonstrar ousadia. Os acontecimentos das últimas semanas começam a mostrar de que lado as pessoas estão. Os que como eu, defendem a redivisão do Pará, à luta.Tomando sempre cuidado com os vampiros que querem sugar nosso sangue e suor e com os cães, os vira-latas que podem nos morder em nossa própria casa.

*O autor é jornalista e editor do Jornal o Estado do Tapajós, em Santarém (PA)"

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