sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Rés-do-chão

Da lavra do jornalista Ricardo Noblat, em seu blog:


O que fez Renan. E o que ele é

Debrucei-me durante a madrugada sobre um volume puído do dicionário do Aurélio à procura de uma palavra que definisse com razoável precisão o ato de Renan Calheiros de defenestrar da Comissão de Constituição e Justiça do Senado seus colegas Pedro Simon (RS) e Jarbas Vasconcelos - ambos fundadores do PMDB. O lugar deles será ocupado por Almeida Lima (SE) e Paulo Duque (RJ), clientes de favores e servos fiéis de Renan.

Sim, porque foi Renan que decidiu substituir Simon e Jarbas. Ou vocês duvidam que ele segue mandando em quase todos os senadores do PMDB e em senadores de outros partidos reféns dos seus dossiês? Por acaso Valdir Raupp (RO), líder do partido e executor da ordem contra Simon e Jarbas, é algo além de um reles tarefeiro de Renan - assim como tarefeiro e reles é também Leomar Quintanilha (TO), presidente do Conselho de Ética do Senado?

Pensei em classificar o ato de Renan de deboche. Deboche com a minha, com a sua e com a cara de todo mundo. Afinal, Simon e Jarbas são tidos por correligionários e adversários como exemplos de políticos corretos, decentes. E a Comissão de Constituição e Justiça, presidida por outro político correto e decente, Marco Maciel (DEM-PE), é a mais importante Comissão do Senado. Por isso mesmo costuma acolher o que os partidos têm de melhor.

Deboche quer dizer devassidão, libertinagem. Creio que está aquém do verdadeiro significado do gesto de Renan.

Então me detive na palavra escárnio. Gosto dela. É sonora, insolente, redonda. Sempre que posso eu a uso, principalmente quando estou indignado com alguma coisa. Para pronunciá-la, é preciso abrir os lábios e mostrar os dentes com expressão de cólera ou de riso - no caso em exame, de cólera. Ocorre que escárnio parece ser uma palavra mais pesada do que de fato é. Nem de longe corresponde aos seus sinônimos mais usuais.

Escárnio quer dizer menosprezo, zombaria, desdém. É pouco para caracterizar o que fez Renan.

De pronto, desprezei a palavra pequenez. Convenhamos, é fraquíssima. Não está à altura da façanha de Renan. Pela mesma razão passei ao largo de descabido. Que apenas quer dizer inconveniente, impróprio, inoportuno. Por comum, vulgar, não perdi tempo com sem-vergonha. Vi-me tentado, confesso, a trocá-la por sem pudor, sem brio - mas esses são termos que soam elegantes, digamos assim. Renan não merece ser associado a eles.

Esbarrei na palavra reles. Sem dúvida, a decisão tomada por Renan foi ordinária, vil, reles. Mas se vocês se derem ao trabalho de voltar ao início desta nota verão que taxei de reles os senadores Raupp e Quintanilha. Não me agrada repetir palavras quando posso me socorrer de outras. Tanto mais em ocasiões em que me sinto à vontade para escrever sem pressa. O português é uma língua riquíssima. Por que não desfrutarmos de sua riqueza?

Quando adolescente, descobri a expressão rés-do-chão em um romance francês. No início do século XIX, um dos personagens do romance levava vida modesta ao rés-do-chão de um pardieiro em Paris. Estamos de acordo que o Senado está sendo empurrado por Renan para o andar térreo mais enlameado de sua história, não estamos? Mas o que isso tem a ver com o golpe aplicado por Renan em Simon e Jarbas? Tudo, ora.

Do rés-do-chão onde se encontra, e para onde procura atrair seus colegas, Renan cometeu uma patifaria – mais uma. Alvíssaras! Imagino finalmente ter encontrado a palavra certa para definir a ação de Renan - patifaria. Autor de patifaria é patife. E patife quer dizer velhaco, pusilânime ou covarde, alguém capaz de mandar todos os escrúpulos às favas para alcançar seus objetivos por quaisquer meios - de preferência os ilícitos.

O irônico é que quanto mais forte Renan parece estar, mais fraco se revela. Não se arrisca a passear na rua ou a freqüentar shoppings. Não tem peito de voar em avião comercial. Vive cercado de seguranças na residência oficial do presidente do Senado. A essa altura, depois de manipular a maioria dos seus pares e o governo nos últimos cinco meses, é um político desmoralizado. Que quer dizer, segundo Aurélio, desacreditado, estragado, pervertido, depravado ou corrupto.

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